Pedalar altas quilometragens exige alto volume de treino e confiança em si mesmo.

Se para você pedalar por estradas e trilhas conhecidas ficou fácil demais, talvez seja hora de você tentar o ciclismo extremo. Com quilometragens altíssimas, altimetria exigente e desafios estratégicos, pedalar provas de longa distância é uma modalidade de ciclismo para os fortes.

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Conversamos com dois expoentes do ciclismo extremo: Ricardo Arap, que já participou diversas vezes da Race Across America (corrida que atravessa os Estado Unidos), e Lucas Benjamin, atleta de triathlon extremo, diretor e treinador da Kaha Multisport, especializada na modalidade – os dois atletas também estiveram em nossos estúdios conversando com Celso Anderson em um Podcast Bikehub.

Abaixo, os ciclistas contam mais um pouco sobre a rotina de treinos, o estado mental e a dedicação necessários para encarar quilômetros sem fim.

CICLISMO EXTREMO

COMO É O TREINO PARA PROVAS EXTREMAS?

LUCAS: Gosto de destrinchar as modalidades. Temos treinos de transição, ciclismo e corrida, lapidando cada modalidade individualmente. Os treinos acontecem em percursos com muita montanha, tanto no ciclismo quanto na corrida. Os atletas têm que ser versáteis, trabalhar técnicas de montanha, saber correr com o peso dos equipamentos. em relação à natação, é difícil treinar em águas geladas, então a estratégia é chegar pelo menos cinco dias antes da prova para poder aclimatar na água.

RICARDO: Os treinos são progressivos, é importante entender quais serão as quilometragens diária e semanal, e ir crescendo de acordo com o tempo de que se dispõe para o preparo.

O ciclista Lucas Benjamin

COMO É O PREPARO MENTAL PARA AS PROVAS DE CICLISMO EXTREMO?

LUCAS: O preparo mental é muito particular para cada atleta, pois as experiências acumuladas podem influenciar em como ele lida em uma prova. Para mim, o que me prepara são os treinos antes. Os treinos são mais duros do que no dia da competição, apesar de serem provas extremas. A principal ferramenta para estar com a mente forte durante a prova é estar bem treinado, não ter novidades inesperadas e ter confiança mecânica e técnica. Estar sempre pronto para planos B, C, D e E – isso quem traz são os treinos e as vivências acumuladas.

RICARDO: O próprio treinamento é uma preparação mental pra prova. Existem muitas variáveis dependendo da prova: temperatura, vento, falta de sono, altimetria exigente. Tudo interfere no psicológico. Se você se prepara adequadamente, colocando todos estes ingredientes nos treinos, sabe que estará pronto para enfrentar o que vier.

COMO MANTER O EQUILÍBRIO NO CICLISMO EXTREMO?

LUCAS: Acho que toda a minha carga de treino e as pessoas que estão comigo naquele momento me ajudam a manter o foco. A presença da equipe e das pessoas que me apoiam tem um papel muito grande no meu desempenho.

RICARDO: Não buscar o seu limite e sim se adequar à sua realidade, entender o caminho, fazer o exercício mental durante a preparação física. Vivenciar grandes experiências na preparação também o torna mais forte. Sentir-se preparado em todos os sentidos: força, condicionamento físico, alimentação, suplementação. E ter pessoas ao redor que entendem quais são os momentos críticos e te ajudam em todos os sentidos.

O ciclista Ricardo Arap, especializado em ultramaratonas ciclísticas.

QUAIS OS PONTOS MAIS LEGAIS DESTE TIPO DE PROVA?

LUCAS: Integração entre você, seu staff e sua equipe de apoio (no meu caso, minha esposa e amigos próximos). Estar acompanhado deles desde o treinamento até a prova é muito legal. Os lugares onde acontecem as provas de triathlon extremo também são incríveis, lugares inóspitos que a maioria de nós nunca conheceria a passeio. Outro grande atrativo é o auto conhecimento alcançado, você se conhece cada vez mais a cada prova, em todos os aspectos da vida.

A atmosfera também é muito legal, tanto o primeiro lugar quanto o ultimo são respeitados, pois são provas duríssimas. Cooperação entre os atletas. Estas provas não têm categorias, estão todos em busca de um objetivo pessoal. Já corri Ironman, provas de MTB e de corrida, e nunca senti uma energia igual à das provas de triathlon extremo.

RICARDO: Guosto da intensidade das provas de alta quilometragem, sua dinâmica. O que me apaixona é estar em cima da bike, seguir em frente, ire em direção ao meu objetivo. Que é também o grande movimento da vida. Quando estou pedalando, é a hora em que converso comigo mesmo, organizo meus conflitos internos.

QUE CUIDADOS VOCÊ COSTUMA TOMAR COM A ALIMENTAÇÃO?

LUCAS: Evito fibras na noite anterior, molhos, coisas que podem causar desconforto ou soltar o intestino. Aumento o consumo de carboidratos dois dias antes da prova e não ingiro bebida alcoólica na semana anterior. Acho importante comer comida “de verdade”, não ficar só na suplementação e nos géis.

Durante as provas como batata, macarrão, queijo, azeitona, bisnaguinha, banana, tomo cerveja sem álcool (o amargor da cerveja me cai bem), tomo coca-cola, Gatorade, água com gás. Tudo num dia só (risos). As provas são muito longas, é preciso se planejar.

Em relação à hidratação, muitas provas são em lugares frios, e podemos esquecer da hidratação. Por isso toda alimentação e hidratação têm que ser feitas “no relógio”. Você não se hidrata ou se alimenta no momento de fome ou sede, e sim de acordo com o planejamento.

RICARDO: A alimentação tem que ser complementada, suplementada através de proteínas sintéticas, carboidratos concentrados e isotônicos, pois o gatso calórico é muito alto. Tem que ter suplemento, e pra isso é fundamental um nutrólogo ou nutricionista pra equilibrar sua alimentação de acordo com o seu gasto.

Lucas Benjamin, da Kaha Multisport, em ação.

COMO E ONDE COMEÇAR A TREINAR

LUCAS: Pra quem quer começar no ciclismo extremo, sugiro procurar um profissional que saiba do assunto para te orientar. Elas poderão organizar seus treinos e provas e te ajudar a adquirir os equipamentos mais adequados para a sua condição física e biotipo. Em São Paulo, um dos lugares mais procurados para quem quer treinar triathlon é a Estrada Velha de Santos.

RICARDO: Existem muitas provas de longa distância no Brasil e no exterior, tanto no continente americano quanto na Europa. Aqui, os Audax são circuitos com quilometragem progressiva ao longo do ano, desafiadoras tanto em relação à distância quanto à altimetria.

DICAS PARA QUEM QUER FAZER PROVAS LONGAS

LUCAS: Primeiro recomendo bater um papo com quem conhece a modalidade, já esteve na prova que você pensa em fazer. Saber mais sobre as possibilidades locais de alimentação, temperatura, tipo de clima, saber sobre o que a cidade-sede oferece em termos de infraestrutura. Procure levantar detalhes sobre o percurso, para saber que tipo de bicicleta e que relação usar, quais equipamentos escolher. Também é importante conhecer bem as regras da prova.

RICARDO: Pra quem quer fazer pedais longos recomendo aumentar gradativamente as distâncias, diminuindo a intensidade e aumentando a quilometragem a cada etapa do treino. E manter o pedal sempre com intensidade baixa, para executar com qualidade e se recuperar para o próximo passo.

QUALQUER UM PODE PEDALAR LONGAS DISTÂNCIAS?

LUCAS: Qualquer um pode participar, as principais dificuldades têm a ver com equipamentos, peças, onde treinar e o custo, pois são provas caras, muitas delas no exterior. Qualquer pessoa pode participar, desde que esteja disposta a fazer sacrifícios e quebrar hábitos e paradigmas para conquistar outras coisas, que com os hábitos antigos você não conseguiria.

RICARDO: Com certeza. É claro que será mais fácil para quem tem histórico esportivo. Mas a bicicleta não requer uma genética adequada específica, é muito adaptável. Quem já é atleta em outra modalidade vai poder aproveitar sua aptidão na bicicleta. Mas é preciso levar em consideração a segurança, o material adequado, que não vai te trair no meio da prova, e estar sempre atento a tudo e a todos.